sábado, 18 de junho de 2011

Responsabilidade Social Empresarial - Crônica de um impasse anunciado.

Gostei muito do artigo replicado abaixo, em especial pela sua capacidade de integrar as diferentes dimensões com que o assunto precisa ser tratado, em especial reforçando o papel das pessoas por inteiro, com suas crenças e intenções no processo ao contrário de algumas abordagens que tenho presenciado em que a fala é de fazer apenas a releitura do atual estado da arte, que já vem ao longo do tempo aclamando por uma revisão de valores.
Autor: Giovanni Barontini* 2007
giovanni.barontini@fabricaethica.com.br

Enquanto o mundo corporativo apropria-se dos temas da responsabilidade social empresarial e do desenvolvimento sustentável como poderosas ferramentas de comunicação, alocando recursos conspícuos em propaganda e marketing, muitas vezes superiores aos investidos nos próprios projetos e iniciativas objeto de divulgação, todos os indicadores sociais e ambientais do planeta parecem estagnar, quando não protagonizam um autêntico retrocesso[1].
Pululam os prêmios de responsabilidade socioambiental e os índices de sustentabilidade[2], que, longe de sinalizar um salto efetivo na consciência organizacional, parecem impulsionar um mero processo de transposição dos anseios competitivos de empresas e empresários, de terrenos mais tradicionais, como o da qualidade, por exemplo, para o mais “branché” e “cool” da sustentabilidade.
Todo mundo já ganhou, está ganhando ou vai ganhar algum reconhecimento, pela atuação exemplar na seara da responsabilidade empresarial, mas uma ponderação severa e criteriosa não conseguirá identificar muitas empresas, que tenham incorporado valores éticos, sociais e ambientais na sua forma de gestão e modelo de negócio.
Assim, questiona-se o significado de uma empresa de petróleo financiar a pintura das paredes de uma creche, caso não esteja investindo em energias renováveis (que representam o âmago de seu negócio), ou de um banco apoiar um torneio de basquete para deficientes físicos, enquanto mantém uma carteira de empréstimos e investimentos em setores que representam a velha e insustentável economia, amparada pela tragicômica ilusão das métricas do PIB.
Muitos profissionais da sustentabilidade aprenderam um jargão e ensaiaram umas atitudes, mas parecem atuar nesta área, com impecável profissionalismo, como poderiam desempenhar qualquer outro papel: o importante é “crescer” sempre e “vencer” sempre. A nova catequese é “sair na frente” em responsabilidade social, liderar nesta área sem compartilhar “o segredo” com ninguém: o modelo é o mesmo que se pretende abandonar e as condutas são impregnadas do equívoco do “politicamente correto” dos movimentos ecológicos mais radicais, acometidos pela doença do pluralismo relativista, em que todos têm direito de palavra (mesmo quando nada têm para dizer), mas é desaconselhado falar o que se pensa e sente verdadeiramente.
Dizer o que se pensa realmente, no ambiente empresarial como na vida desta bizarra sociedade que criamos, é considerado, amargaria a Clarice Lispector, uma “gafe”...
Perante este estado de coisas e ponderando, de forma apreciativa, os inegáveis avanços alcançados, apesar de tudo, pelo movimento da RSE, resta se perguntar: porque os mais de três bilhões de reais investidos anualmente, no Brasil, em filantropia, ação social, investimento social privado e responsabilidade empresarial não parecem lograr resultados efetivos? Porque a maior parte das organizações está envolvida em iniciativas que carecem, de forma cabal, de qualquer relevância e materialidade, deixando totalmente inalterado seu “business as usual”?
Ou, do ponto de vista do movimento da responsabilidade social e das consultorias em sustentabilidade: onde estamos errando e como podemos amenizar esta sensação constante de frustração, pela inocuidade de nossos esforços cotidianos?
O modelo integral AQAL[3], desenvolvido pelo filosofo Ken Wilber, pode oferecer uma formidável resposta a estas perguntas, representando um mapa que oriente nossas futuras opções estratégicas, a partir de uma melhor compreensão da realidade subjacente.
Em sua mais grosseira simplificação, o modelo propugna uma representação original da realidade, em quatro quadrantes absolutamente complementares e irredutíveis uns aos outros: o Superior Esquerdo, simbolizando o Interior do Indivíduo (também denominado de “intencional” e incluindo sua mente, percepções, emoções, símbolos, idéias e valores individuais); o Superior Direito, representando o Exterior do Indivíduo (também denominado de “comportamental” e incluindo tanto sua estrutura física e funcional, quanto seu comportamento, atitudes e manifestações externas); o Inferior Esquerdo, simbolizando o Interior do Coletivo (também denominado de “cultural”, correspondendo, em uma empresa, a seus valores coletivos e à sua cultura organizacional, como compartilhada por seus integrantes); e, por fim, o Inferior Direito, representando o Exterior do Coletivo (também denominado de “social” e incluindo as estruturas, mecanismos e ferramentas criadas e implementadas pela comunidade-empresa) [4].
Uma superficial análise das ferramentas de gestão e iniciativas empresariais, no campo da responsabilidade social corporativa, mostrará imediatamente, em toda a sua aflitiva dramaticidade, a quase exclusiva convergência de esforços do movimento no quadrante Inferior Direito (Exterior do Coletivo ou “social”).
De fato, todos os instrumentos, métricas, indicadores e iniciativas, sejam eles o Pacto Global, a Global Report Initiative, os Indicadores ETHOS de Responsabilidade Social, a SA8000, a AA1000, os balanços sociais e relatórios ambientais, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BOVESPA, os inúmeros prêmios de RSE ou os Códigos de Ética e de Conduta se situam exatamente no contexto da transformação da estrutura externa da organização empresarial (Exterior do Coletivo), impactando de forma bastante marginal ou nula a cultura organizacional (Interior do Coletivo), os valores das pessoas-funcionários (Interior do Indivíduo) e suas próprias posturas pessoais (Exterior do Indivíduo).
O mapa oferecido por Ken Wilber nos permite verificar, a título de exemplo, as razões da persistência da corrupção, em empresas que possuem declarações de princípios éticos e códigos de conduta. Obviamente, trabalhou-se na estrutura externa do quadrante social (elaboração, discussão e aprovação do instrumento “código de ética”: Exterior do Coletivo), mas não se atentou ao Interior do Coletivo (cultura organizacional: sempre se pagaram propinas e continuam-se pagando), ao Exterior do Indivíduo (o funcionário-pessoa, cujas condutas individuais, dentro e fora da empresa, não são alteradas por regras colocadas em um pedaço de papel), e ao Interior do Indivíduo (sistema de valores e consciência pessoal, que também não foram influenciados pela mera divulgação corporativa de uma declaração de princípios).
Entende-se, ainda, como uma empresa possa, por exemplo, ingressar o Índice Dow Jones de Sustentabilidade ou o nacional ISE da BOVESPA (instrumentos do quadrante Inferior Direito), sem “ser” socialmente responsável ou contribuir efetivamente para uma sociedade sustentável, cujo resultado só será alcançável através de um processo quádruplo de mudança (ação combinada nas quatro perspectivas que compõem a realidade, três das quais são quase totalmente ignoradas pelos próprios questionários de admissão nesses índices).
Desta forma, o consultor em sustentabilidade será convidado a auxiliar a organização na tentativa de obtenção de reconhecimentos “de quarto quadrante” (ganhar um prêmio de RSE ou ingressar em carteira privilegiada de ações), que só testemunham o eventual progresso da empresa com relação a uma das quatro facetas da realidade. O desconforto que advém do sentimento de que “ainda falta algo” (a consciência subjetiva e intersubjetiva, bem como a esfera comportamental individual, foram trabalhadas somente de maneira marginal e indireta...) não pode certamente surpreender.
Uma brilhante pesquisa conduzida por Barrett Brown, também utilizando o modelo AQAL, sobre os oito livros que podem ser considerados como “clássicos” da literatura sobre desenvolvimento sustentável[5], gerou conclusões impressionantemente semelhantes, ao descobrir que todos os textos analisados oferecem representações da realidade, conceitos e sugestões prevalente e invariavelmente focados no quarto quadrante (Exterior do Coletivo ou social).
Quer se trate de “Capitalismo Natural” do Rocky Mountain Institute ou de “The Natural Step”; da “Ecologia do Comércio” de Paul Hawken ou do relatório “Nosso Futuro Comum” da Comissão Bruntland; de clássicos de Lester Brown ou do World Business Council for Sustainable Development: todos os livros mais inspiradores de gerações de militantes das causas ecológicas, sociais e desenvolvimentistas concentraram-se em analisar, ou sugerir mudar, a estrutura ou sistema do Exterior do Coletivo (quadrante inferior direito).
Desta forma, entende-se, também, a eficácia somente parcial da aplicação ao meio empresarial, tão em voga, de aspectos cada vez mais populares da física quântica, física da relatividade, cibernética, teoria dos sistemas dinâmicos, teoria da complexidade, teoria do caos e autopoiese[6]: estas teorias só dialogam e atuam no âmbito do “sistema” empresa e da sua estrutura coletiva externa (quadrante inferior direito, novamente), mas nada nos dizem sobre o processo de expansão da visão de mundo e consciência espiritual do indivíduo-funcionário (quadrante superior esquerdo), da consciência organizacional e cultura coletiva ou comunal da empresa (quadrante inferior esquerdo) e da esfera comportamental da pessoa-membro da corporação (quadrante superior direito).
A questão não é como transmigrar de um suposto “paradigma” cartesiano para um novo “paradigma” holístico, pois ambos só se referem ou representam um quarto da realidade que desejamos reconstruir.
Em suma, nossa frustração decorre de um equívoco tático: acreditamos que seria possível construir uma realidade diferente, agindo sistematicamente só sobre um quarto dela, enquanto atenção e esforços mínimos foram endereçados para os restantes três quartos do Todo que pretendíamos modificar: como poderia dar certo?
Obviamente, as ferramentas de gestão e demais iniciativas de “quarto quadrante” também geram efeitos, indiretos e mediatos, nas outras três esferas (não há separação estanque entre quadrantes, mas integração dinâmica): entretanto, é preciso adotar estratégias mais abrangentes e integrais, que nos permitam consolidar propostas de intervenção e transformação mais profunda, nos três quadrantes até agora negligenciados.
Algo, deste ponto de vista, já está acontecendo.
Quando o Presidente global da Unilever leva os Presidentes das filiais mundiais para uma experiência vivencial na selva do Sri Lanka[7], ele está basicamente trabalhando o primeiro quadrante (Interior do Indivíduo).
Quando o Instituto ETHOS de Empresas e Responsabilidade Social estipula parceria estratégica com o programa Vivendo Valores nas Organizações (VIVO) da Brahma Kumaris, também está se propondo a interagir, de forma extraordinariamente pioneira, nos quadrantes menos percorridos pelo movimento da responsabilidade social empresarial.
O caminho é infinitamente árduo, mas agora temos, finalmente, um mapa.

Cidade diferenciada

Boas ideias merecem ser replicadas, a proposta da matéria abaixo, além de ser ambientalmente interessante e também com efeitos positivos para a qualidade de vida ainda pode ser uma boa oportunidade de socialização.


Numa cidade diferenciada, os carros são domesticados e os pedestres têm prazer de andar pelas ruas

Folha de São Paulo
GILBERTO DIMENSTEIN

UMA EXPERIÊNCIA lançada neste ano entre universitários da cidade de São Paulo, batizada de Campus Aberto, está testando um jeito de economizar dinheiro com o táxi. Cada corrida pode sair até 70% mais barato. A ideia, muito simples, só é viável por causa das novas tecnologias da informação.
Em mapas publicados na internet, as pessoas registram seu trajeto diário para a universidade e descobrem quem mora perto. Combinam, então, de se encontrar num ponto de táxi. Simples assim. E sem nenhum risco à segurança.
Dependendo da distância que se percorra diariamente, é melhor negócio não ter carro e só pegar táxi, como demonstrou um professor da Fundação Getulio Vargas em reportagem da Folha na semana passada. Rachar o custo da corrida, então, faria essa conta ainda mais favorável, estimulando o cidadão a deixar o veículo na garagem.
Começa nesta semana uma campanha publicitária estimulada pela SOS Mata Atlântica para tentar reduzir o número de carros na cidade de São Paulo, quando serão apresentados meios de compartilhar o automóvel; o projeto criado para os universitários é um deles.
Esse tipo de ideia pega no Brasil?
Essa questão será discutida em um encontro, no final do mês no Brasil, entre prefeitos das 40 maiores cidades do mundo. Serão gestadas ali soluções para preservar o planeta.
Os automóveis são fonte permanente de problemas na locomoção dos indivíduos e favorecem o aquecimento global. Há uma criatividade planetária empenhada em domesticá-los. Em algumas cidades, estão implantando medidas mais radicais, como o pedágio urbano.
Espalha-se pelo mundo o projeto de compartilhamento de bicicletas, depois da visibilidade que ganhou em Paris e de chegar a Nova York. No Brasil, o teste está sendo feito no campus da USP.
Em Londres, há um movimento para estimular os vizinhos a emprestar seus carros. No final, o custo fica mais baixo que o de uma corrida de táxi. O único inconveniente seria a dificuldade de compartilhar a chave, problema que foi resolvido em San Francisco, nos Estados Unidos, o mais efervescente centro mundial de inovação em tecnologia da informação, onde desenvolveram um sistema que permite abrir e acionar o carro pelo celular.
Quando um empreendedor decidiu criar, nos Estados Unidos, uma empresa (ZipCar) para alugar carros por hora, foi chamado de maluco. Ele percebeu que muita gente preferia não ter um automóvel. A "maluquice" entrou na Bolsa de Valores, arrecadou, no mês passado, R$ 250 milhões e está obrigando as empresas tradicionais de aluguel de veículos a se reciclarem.
Uma das áreas que mais atraem ideias ousadas é a de produção de carros menores que não poluam. É uma tremenda diversão visitar laboratórios de universidades americanas e ver os garotos tentando inventar o carro do futuro. Em alguns deles, o motor fica na roda.
Uma das boas cenas que presenciei aqui em Harvard foi a apresentação de Jaime Lerner, num seminário sobre urbanismo e inovação, em que mostrou seu projeto do "menor carro do mundo", movido a energia solar -um carro pensado para ser compartilhado e facilitar o trânsito, não para uso particular. Foi uma comoção geral, em meio a aplausos.
Há uma sensação de que, em lugares como São Paulo, estamos próximos de um colapso. A informação está cada vez mais veloz, e o trânsito, mais lento e ameaçador à saúde. Na semana passada, a USP divulgou estatística de que, apenas na cidade de São Paulo, a poluição mata 4.000 pessoas por ano -mais do que a Aids e a tuberculose juntas.
Esse é o pano de fundo da polêmica em torno da estação Higienópolis do metrô, recusada por alguns moradores do bairro para afastar "gente diferenciada". A frase ajudou a fazer a combustão, mas foi só um detalhe. No passado, bairros ricos de São Paulo já recusaram o metrô por causa dos "diferenciados". Ganharam e não houve tanta repercussão.
O essencial é o crescente consenso de que, numa cidade diferenciada -isso significa civilizada-, os carros são domesticados e os pedestres têm prazer de andar nas ruas.

PS- Naquela palestra, Jaime Lerner mostrou o que para mim é a imagem mais estimulante de uma São Paulo diferenciada. Ele projetou um imenso parque num elevado em cima dos trilhos de trem que cruzam a cidade. Seria o maior parque linear do mundo e, na prática, acabaria com a divisão da cidade entre centro e periferia. Coloquei no Catraca Livre (catracalivre.com.br
) o detalhamento dos projetos citados na coluna.