Fonte: Valor Econômico
Link: http://www.valor.com.br/internacional/2533162/para-o-brasil-rio20-nao-e-so-ambiental
16/02/2012 às 00h00
A Rio+20 é uma conferência sobre desenvolvimento com
pilares econômico, social e ambiental. "Não é uma conferência
ambiental, é sobre
desenvolvimento sustentável. Quem está tirando o foco da Rio+20 são eles
[os europeus], colocando apenas o pilar ambiental na mesa". As afirmações
são do embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe do Brasil na Rio+20,
que acontece em junho. Para ele, está claro o embate entre países ricos e
emergentes sobre os limites do crescimento. "O que não se pode aceitar é que os países desenvolvidos
considerem que nós temos que repensar o que é padrão de consumo de classe
média, e eles não".
Não se pode ter dois padrões de
consumo, para país rico e pobre
Por Daniela
Chiaretti | De Brasília
O
embaixador André Aranha Corrêa do Lago, de 52 anos, é um economista apaixonado
por arquitetura e um diplomata que fala direto. "O que não se pode aceitar
é que os países
desenvolvidos considerem que nós temos que repensar o que é padrão de consumo
de classe média, e eles, não", diz, referindo-se às negociações da
Rio+20, a conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, em
junho, no Rio.
Lago, que
serviu nas embaixadas brasileiras em Madri, Praga, Washington, Buenos Aires e
na missão brasileira junto à União Europeia, em Bruxelas, diz claramente que a
Rio+20 é uma conferência sobre desenvolvimento sustentável, com seus pilares
econômico, social e ambiental. Não é só frase de efeito. "Os europeus
dizem que o Brasil está tirando o foco da Rio+20", menciona. Lago não é
explícito, mas trata-se de uma referência ao esforço europeu, encabeçado pela França, de
aprovar na Rio+20 a criação de uma agência ambiental mundial, ideia que
o Brasil não apoia. "A
Rio+ 20 não é uma conferência ambiental, é sobre desenvolvimento sustentável.
Quem está tirando o foco da Rio+20 são eles, colocando apenas o pilar ambiental
na mesa."
O
negociador-chefe do Brasil para a Rio+20 diz que os empresários são peças-chave em uma conferência que
quer desenhar o desenvolvimento do mundo para os próximos 20 anos. E que um
dos desafios da Rio+20 é
"convencer o empresariado médio e micro que o desenvolvimento sustentável
não é agenda apenas de multinacionais gigantes, que têm dinheiro sobrando e
que, portanto, podem investir nessas outras dimensões."
Desenvolvimento
sustentável não é agenda apenas de empresas multinacionais gigantes que têm
dinheiro sobrando
Nesta
entrevista ao Valor, concedida em seu gabinete no Itamaraty, ele fala
dos emergentes, da mudança necessária nos
padrões de produção e consumo e no papel do Brasil. Leia
trechos:
Valor: As
pessoas não têm ideia clara do que é a Rio+20. O senhor pode explicar?
André
Aranha Corrêa do Lago: A Rio+20 pertence a uma família de
conferências das Nações Unidas que só acontece com pouca frequência. São conferências de
questionamento geral e trabalham com o longo prazo. A Rio+20 têm várias
dimensões, mas sua definição formal é que é uma conferência da ONU que vai
reunir todos os países do mundo para debater temas que só são discutidos neste
nível de profundidade a cada 10 ou 20 anos. É completamente diferente da
conferência de Copenhague (em 2009, na Dinamarca) ou da de Durban (em 2011, na
África do Sul), que são as reuniões anuais da negociação de mudança do clima.
Valor: O que
pode sair dela?
Lago: Por ser
rara e ambiciosa, podem sair daí coisas como na Rio 92 que, no momento em que
acontecem a gente não se dá conta do quanto são importantes.
Valor: Quais
coisas?
Lago: Quando
foi assinada a Convenção do Clima, na Rio 92, ninguém podia imaginar que 20
anos depois ela se tornaria a principal negociação econômica no mundo. Mas
essas conferências, ao trabalharem com o longo prazo, têm também enorme grau de
incerteza. Existem processos que param no meio e outros que inspiram toda uma
geração.
Valor: O
produto principal da Rio+20 é um documento que pode dizer o quê?
Lago: O produto
principal da Rio+20 é reunir todos os países e as melhores mentes das
instituições internacionais e repensar o desenvolvimento do mundo. Em momentos
como o de hoje, quando pensamos no curto prazo - como nas reuniões do G-20,
onde todos pensam como será a crise em uma semana, um mês ou um ano -, a grande
contribuição da Rio+20 é pensarmos o que queremos para o longo prazo. É a
conferência para tentar determinar qual o nosso objetivo comum para as próximas
décadas.
Valor: A
Rio+20 tem duas frentes, da economia verde e da governança. Pode explicar?
Lago: Isso são
os mandatos. Quando se tem uma conferência das Nações Unidas, todos os países
do mundo têm que concordar em qual vai ser a agenda. Não é uma decisão nem das
Nações Unidas, nem do país anfitrião. É uma decisão de todos. Neste caso, a decisão foi de que a Rio+20 deveria
se concentrar em dois temas: a economia verde no contexto do desenvolvimento
sustentável e da erradicação da pobreza e a governança internacional do
desenvolvimento sustentável, ou seja, de que maneira vamos estruturar o
debate internacional em torno dessa questão.
Valor: O
senhor mencionou outro dia que o "espírito de Estocolmo" está sendo
sentido de novo, e de maneira forte, nas negociações da Rio+20. O que quer
dizer?
Lago: Quando
ocorreu a 1ª conferência ambiental da ONU, em Estocolmo, em 1972, no período preparatório os países
em desenvolvimento reagiram muito mal à introdução da questão do ambiente
porque interpretavam que era uma deturpação do debate. Que o debate legítimo da
ONU, desde os anos 50, era o desenvolvimento. E, graças ao Brasil e há alguns
outros em desenvolvimento, caiu a ficha e a questão do ambiente passou a ser
ligada diretamente à do desenvolvimento. O consenso foi de que não se
podia desligar os dois.
Valor: Mas a
participação do Brasil foi esquisita, defendendo o crescimento a qualquer
custo...
Lago: Não, isso
foi muito mal interpretado naquela época, parecia que o Brasil estava
atrapalhando uma agenda progressista. Mas naquele período houve um relatório com grande
impacto, do Clube de Roma. Era um clube de grandes empresários e, nesse
relatório, havia uma renovação daquelas preocupações malthusianas [economista
britânico Thomas Malthus] de que nunca ia haver suficientes recursos naturais
para todo mundo.
A solução
que as pessoas encontravam era "controle a população dos países em
desenvolvimento, porque senão eles vão consumir o que nós precisamos". Isso classifica o mundo em duas
categorias, aqueles que já chegaram a um certo nível de consumo e acham
legítimo continuar a tê-lo e querem restringir o crescimento dos outros.
Isso acabou mudando. Mas muitos países europeus não se convenceram disso.
Valor: Este
espírito voltou nas negociações da Rio+20?
Lago: O
espírito pré-Estocolmo é a visão de que o problema do mundo é que tem pobre
demais e poucos recursos naturais. Hoje isso está retornando.
Valor: Bom,
mas não é verdade que no mundo há pobres demais e recursos naturais de menos?
Lago: Agora a
preocupação é outra: os
pobres estão virando classe média. E não se achava que isso ia acontecer
tão rápido. Entre China, Brasil, Índia e outros países em desenvolvimento estamos
botando centenas de
milhões de pessoas na classe média. Estas pessoas estão consumindo mais, o que é uma ótima
notícia. E também é verdade que isso representa um desafio para o
ambiente. Mas a solução
não é restringir o consumo só deles. A solução é um esforço mundial para que
não haja uma divisão do gênero: a classe média americana pode ter quatro carros
e classe média indiana tem que andar de bicicleta.
O Brasil
quer que saia uma coisa ambiciosa da Rio+20, mas não pode pressionar a opinião
de 193 países
Valor: A
sinalização dos países desenvolvidos é "vocês chegaram à classe média na
hora errada?"
Lago: A
sinalização é a seguinte: "Nós inventamos esse conceito de classe média
meio para a gente. Não é para vocês, não". Isso não é possível. Os países
em desenvolvimento, com toda razão, consideram que, é claro que temos todos que
nos preocupar com as emissões e as consequências da entrada de milhões de
pessoas na classe média mundial. Mas não podemos aceitar que vá haver duas
classes médias, duas categorias diferentes.
O que
achamos é que os países desenvolvidos, em vez de se preocupar tanto com o que
está acontecendo nos países em desenvolvimento, deveriam mostrar o caminho.
Isso está já determinado desde o Rio de Janeiro, em 1992. Um dos princípios do Rio é a mudança dos padrões
insustentáveis de produção e consumo, com os países desenvolvidos tomando a
liderança. Temos que criar uma ideia de classe média que seja atraente o
suficiente para europeus e americanos, e atraente o suficiente para indianos e
brasileiros.
Valor: Este
ponto, na Rio+20, pode ter qual formato?
Lago: Tem que
ser uma questão absolutamente chave. Se estamos trabalhando na Rio+20 para os
próximos 20 anos, temos que pensar em medidas que teremos que tomar
internacionalmente e que tenham impacto para as próximas duas décadas. A
perspectiva é que até lá centenas de milhões de pobres deixarão de ser pobres,
o que é uma maravilhosa notícia. Essa visão dramática do mundo tem que ser
equilibrada pelo lado positivo do que está acontecendo. Mas temos, sem a menor
dúvida, todos, que repensar nossos padrões de consumo. O que não se pode
aceitar é que os desenvolvidos considerem que nós temos que repensar o que é
padrão de consumo de classe média, e eles, não.
Há um documento, que esperamos aprovar na Rio+20 e
que determina essas questões. Temos que mudar e ter consciência de que em
um mundo onde teremos bilhões de pessoas de classe média, a ideia do que é o
consumo tem que ser mudada. Não
podemos ter 7 bilhões de pessoas consumindo como a classe média americana ou
italiana.
Valor: O
senhor não concorda com a visão "dramática" do mundo.
Lago: Esse
alarmismo da falta de recursos naturais vem de Malthus, e a história tem
provado que as coisas não são assim. Em 1971 se achava que a população mundial
só ia estabilizar em 14 bilhões, mas já sabemos hoje que vai estabilizar em 9
ou 10 bilhões e a partir daí irá cair. E há progresso tecnológico, uma
quantidade inimaginável de coisas novas acontecendo.
Valor: Há
chance de, na Rio+20, sair uma agência ambiental mundial nos moldes da OMC,
para o comércio, ou a OIT, para o trabalho?
Lago: Nós não queremos uma agência
ambiental mundial. Essa é a agenda de Estocolmo. Queremos uma agência internacional sobre
desenvolvimento sustentável, que trate de maneira equilibrada o
econômico, o ambiental e o social. Por outro lado, queremos que seja fortalecido o pilar ambiental no
Pnuma, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Mas o que tem
que sair do Rio de Janeiro não é o fortalecimento simplesmente do meio
ambiente. É o fortalecimento do desenvolvimento sustentável, do tratamento
equilibrado entre econômico, ambiental e social. Os europeus dizem que o Brasil
está tirando o foco da Rio+20. A Rio+ 20 não é uma conferência ambiental, é
sobre desenvolvimento sustentável. Quem está tirando o foco da Rio+20 são eles,
colocando apenas o pilar ambiental na mesa.
Valor: Pode
sair uma agência sobre desenvolvimento sustentável?
Lago: Este é o
objetivo. O fortalecimento da governança internacional de desenvolvimento
sustentável. Mas a forma que esta agência terá... Uma coisa é o que o Brasil
quer. A outra é o que 193 países querem.
Valor: O que
o Brasil quer?
Lago: O Brasil
quer que saia uma coisa ambiciosa, que os 193 países queiram. Mas o Brasil não
é um país que declara que quer uma coisa extraordinariamente ambiciosa sabendo
que aquilo é impossível. Também não podemos predeterminar a opinião de 193
países. Seria pretensioso e inadequado para o presidente de uma conferência.
Valor: Na
proposta brasileira defendia-se que o Ecosoc, o conselho econômico e social que
existe na ONU, seja reformulado, fortalecido e acrescido da vertente ambiental.
Isso pode acontecer na Rio+20?
Lago: Estão
sendo examinadas todas as possibilidades. Os países têm diferentes visões. O
público e os políticos, em geral, não têm noção do que é o Ecosoc e para o que
serve. Temos que ter uma solução que não só seja efetiva para as Nações Unidas,
mas percebida como tal pelos governos nacionais e pela sociedade civil.
Procuro
sempre explicar que precisamos ter resultados significativos na Rio+20 em três
dimensões. Na multilateral, das Nações Unidas, com o fortalecimento da ONU, de
seus instrumentos e de sua eficiência. Outra é o que pode trazer de impactos
sobre o Brasil, que o país seja o líder mundial na luta do desenvolvimento
sustentável. A terceira dimensão é a sociedade civil aceitar e se envolver
nessa agenda, o setor empresarial, os trabalhadores, as ONGs, a Ciência. Toda a
sociedade civil mundial tem que acreditar que esta é a agenda que deseja para
os próximos 20 anos.
Valor: Como
os empresários podem aproveitar a Rio+20?
Lago: Os empresários são absolutamente chave na
Rio+20. A conferência vai tratar de um assunto caro a eles, que é o longo prazo. O
empresariado precisa de segurança com relação ao longo prazo. Na Rio 92 quem
apoiava o desenvolvimento sustentável era muito ligado a uma visão idealista do
mundo. Eram grandes líderes empresariais convictos de que a dimensão ambiental
e social era chave. Nos
últimos 20 anos apareceram milhares de exemplos de empresas que ao darem
atenção à dimensão social e ambiental, ao lado da econômica, naturalmente,
cresceram mais, se fortaleceram, ganharam mais mercado. Um passo
importante na Rio+20 é convencer o empresariado médio e micro que o
desenvolvimento sustentável não é agenda apenas de multinacionais gigantes, que
têm dinheiro sobrando e que, portanto, podem investir nessas outras dimensões. O Sebrae [Serviço Brasileiro
de Apoio às Micro e Pequenas Empresas] assinou um convênio com a organização da
Rio+20, e isso é uma sinalização internacional de que a entidade que, no
Brasil, reúne as pequenas e micro empresas acredita na agenda da
sustentabilidade.
Valor: O
senhor fala que é importante trazer os mecanismos financeiros internacionais
tipo Banco Mundial, BID e FMI para este debate. O que o senhor imagina?
Lago: Se nós
estamos pensando em uma entidade - não vamos dar nome à agência, conselho,
porque não houve acordo sobre isso - multilateral que vai assegurar que
desenvolvimento sustentável seja o paradigma do desenvolvimento mundial, é
evidente que essa entidade tem que envolver o Banco Mundial, o FMI, a OMC. Esses organismos são da
estrutura das Nações Unidas, mas sua estrutura de funcionamento é muito
diferente. Temos que assegurar que esses organismos também sejam defensores do
desenvolvimento sustentável.
Valor: Como
os EUA estão se comportando com relação à Rio+20?
Lago: Os EUA
têm sido muito construtivos. O grande papel que o Brasil pode ter é justamente
de, tendo conhecimento das dificuldades que países como os EUA, Alemanha ou
Indonésia têm no tratamento de certas questões, conseguir um resultado com o
qual esses países possam concordar. Não é nenhuma vitória propor algo que não
será consenso e não será aprovado.
Valor: Mas
assim não se enfraquece a conferência?
Lago: Há um
certo cansaço que existe do público com relação à capacidade da ONU de
conseguir coisas ambiciosas uma vez que têm que haver o consenso de mais de 190
países. Há sempre o temor de se ter o menor denominador comum. A sociedade
civil vai ficar observando os líderes mundiais e dizendo a eles "vocês
podem ser mais ambiciosos."
Valor: O
senhor diz que, nas negociações internacionais, o confronto Norte-Sul que se
verificava passa a ser mais pressão sobre os emergentes. É assim?
Lago: No
momento em que há uma tal crise nos países mais ricos do mundo, e eles observam
China, Índia e Brasil crescendo entrando na lista das maiores economias do
mundo, há uma tendência natural dos países ricos de tentar dividir algumas das
suas responsabilidades, sobretudo financeiras, com esses países que parecem
estar ricos. Tem uma tendência dos países ricos em achar que os emergentes
deveriam fazer mais.
Isso é uma
deturpação. Apesar de Brasil, China e Índia terem conseguido grandes progressos
recentes, são ainda países em desenvolvimento. Nenhum de nós está dizendo que
já é desenvolvido. Temos plena consciência de que temos imensa dívida social e
muito o que fazer para nos considerarmos desenvolvidos. Estamos tratando com
sociedades que têm um nível de qualidade de vida para as suas populações
infinitamente superior do que o que Brasil, China e Índia podem oferecer para a
maioria da sua população.
Valor: Essa
pressão também ocorre nas negociações da Rio+20?
Lago: Na Rio+20
há uma grande diferença entre o que Brasil, China e India consideram que é o
maior papel para eles no mundo atual e o que os países ricos consideram que é o
maior papel para nós no mundo a partir de agora.
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