quarta-feira, 26 de maio de 2010

Qual o real custo da produção tecnológica?

Quanto realmente custa a produção em massa dos aparelhos tecnológicos que adoramos? Quantas vezes nos questionamos sobre isso? Será que o aparelho que uso vem livre ou não de uma história de violência direitos básicos e fundamentais do ponto de vista humano?

Começo esse post com perguntas, justamente porque não há resposta 100% resolvida, vivemos em uma sociedade que oferece inúmeras demandas e facilidades e no turbilhão de pressões a incoerência se faz presente. Constantemente vamos encontrar uma desculpa que conforta e faz sentido. As mais comuns, acredito eu: "é eu não sabia" ou "nada posso fazer para alterar essa realidade que é triste, mas complexa de mais para mim". Será?

Sabemos que não há empresa 100% sustentável e nem 100% insustentável. Portanto é possível acredita que temos condições de construir caminhos para que as nossas decisões em busca de produtos e serviços para saciar nossos desejos e necessidades, venham no mínimo de processos produtivos mais humanos.

Assim como muitos, também adoro as ofertas tecnológicas da Apple e outras marcas citadas na matéria, mas detesto o jeito que encontramos para colocar esses produtos de forma financeiramente acessível no mercado.

Uma forma de tentar mudar esse cenário é cobrando mais responsabilidades dos idealizadores e fabricantes desses adoráveis objetos de desejo, uma postura pessoal que não depende de ninguém. Governos, políticos, empresas e empresários têm suas responsabilidades a serem exercidas e devem ser cobrados, mas cada indivíduo também tem uma responsabilidade e uma escolha a ser feita, cada um de nós tem uma medida de poder, exercida pelo voto diário na hora de escolher pela compra de um produto ou serviço. Só cobrar do outro, só apontar o dedo é fácil, difícil é se colocar diante da situação/condição.

De verdade, espero que essa notícia sobre as condições de trabalho da Foxconn repercuta e muito. Também torço para que os relatos sejam apurados e que tudo não passe de um engano ou de uma denúncia vazia, ou seja, uma matéria alternativa e sensacionalista. O que me parece bem difícil de acontecer. Afinal, onde há fumaça há fogo!



Relatos de um infiltrado no inferno: a fábrica da Foxconn

O jornal chinês Southern Weekly mandou o repórter Liu Zhi Yi, de 20 anos, para trabalhar infiltrado na fábrica da Foxconn em Shenzhen, China. Por 28 dias, ele vivenciou as terríveis condições a que são submetidos os mais de 400.000 empregados, montando iPods, iPads e iPhones o dia inteiro sem parar.

Não há a menor dúvida. Os suicídios da Foxconn foram causados por stress de trabalho. Em meio ano, houve nove tentativas de suicídio com sete mortes confirmadas na fábrica da Foxconn em Shenzhen. No mês passado este número subitamente subiu para 30 novas tentativas de suicídio, fazendo com que a empresa contratasse conselheiros e até monges budistas para libertar as almas dos suicidas do purgatório.

A Foxconn é uma das principais fabricantes contratadas pela Apple. Milhares de Mac Minis, iPods, iPhones e iPads são montados diariamente na fábrica de Shenzhen, que opera 24 horas por dia, sem parar. A empresa também produz para a Intel, Dell e HP, entre outras.
Depois da sexta tentativa de suicídio em abril, o Southern Weekly – descrito pelo New York Times como o mais influente jornal liberal da China – mandou um jovem repórter para se infiltrar como um empregado na fábrica. Ao mesmo tempo, mandaram um repórter sênior para conversar com os executivos da Foxconn. A missão: descobrir o que estava realmente acontecendo na fábrica e determinar as verdadeiras razões dos suicídios.

Durante os 28 dias de investigação, Liu Zhi Yi se impressionou ao descobrir como os empregados vivem uma espécie de escravidão contratada. Eles trabalham o dia todo, parando apenas para comer rapidamente ou dormir. Eles repetem a mesma rotina todos os dias, exceto nos feriados públicos. Liu concluiu que, para muitos dos empregados, a única saída possível deste ciclo é acabar com a própria vida.

Liu, um estudante de graduação, foi escolhido para a tarefa por sua idade, já que a fábrica só contrata jovens de vinte e poucos anos. Ele foi contratado sem problemas. Só assinou um documento especial: um acordo de horas extras que diz que a empresa não seria responsável pelas suas longas horas de trabalho. Segundo Liu, este acordo voluntário anula as leis estatais chinesas.

Os trabalhadores da Foxconn só sorriem no dia 10 de cada mês. Este é o dia em que ganham seus salários. Neste dia, as máquinas de caixa eletrônico dentro da fábrica ficam lotadas com as filas. Os seus salários mensais começam em 900 Yuan — cerca de R$ 235.

A maior parte dos trabalhadores não têm opinião sobre os populares produtos da Apple que eles montam. A maioria não ganha o suficiente para ter um. Os seus salários só dão para comprar alguma cópia barata. Enquanto fãs de gadgets no mundo inteiro discutem qual iPod devem comprar, os trabalhadores da Foxconn debatem os méritos das diferentes imitações.

Histórias da fábrica

Liu teve suas conversas mais interessantes com outros funcionários durante as refeições. Alguns lhe contaram que sentiam inveja dos colegas que estavam doentes. Eles ganham folga e podem descansar um pouco. Eles também discutiram acidentes na fábrica: um trabalhador teve seu dedo cortado durante a produção. Alguns trabalhadores acham que as máquinas estão amaldiçoadas. Eles consideram perigoso usar as máquinas.

Outro empregado me contou sobre uma das atividades favoritas na fábrica: deixar coisas caírem no chão. Por quê? Os empregados passam dolorosas oito horas de pé, então eles consideram que se abaixar para pegar um objeto caído é o momento de maior descanso do seu dia de trabalho.
Os carrinhos da fábrica são chamados de "BMW" pelos trabalhadores. Enquanto os puxam e empurram, sempre com altas pilhas de produtos, eles imaginam as BMWs que esperam um dia conseguir comprar.

Segundo um trabalhador, eles não conseguem viver sem estes sonhos. Eles sonham em ficar ricos um dia. Alguns gastam parte do seu salário em bilhetes de loteria e apostas em corridas de cavalos.

Há outros tipos de sonho, também. Liu diz que alguns deles reclamam de suas vidas amorosas. Eles não conseguem encontrar amantes naquele ambiente, então precisam encontrar alternativas: em alguns "internet cafes" — escondidos em restaurantes fora da fábrica – os jovens podem ter acesso a vídeos pornôs clandestinos. No entanto, os homens dizem que os filmes ficam chatos depois de um longo período de tempo.

Muitos não falam sobre os suicídios. Alguns fazem piada com eles. Um dos problemas pode ser a falta de comunicação e amizade entre os colegas de trabalho. Muitos trabalhadores nem sabem os nomes das pessoas que trabalham ao seu lado. De fato, segundo o Southern Weekly, os trabalhadores acham difícil se relacionar uns com os outros por usarem sempre os mesmos uniformes e realizarem sempre as mesmas tarefas todos os dias. Eles não têm assuntos interessantes para conversar porque só trabalham. Se um empregado fica muito estressado, ele geralmente não tem com quem dividir os seus problemas ou para quem pedir ajuda.

Talvez os 100 conselheiros contratados pela Foxconn ajudem. E eu acharia legal se eles pudessem ter cinemas e shopping centers dentro da fábrica para ajudá-los a relaxar. Mas, no fim, o mais importante é que a Foxconn realmente precisa ser mais humana e preocupada com a saúde física e mental dos seus empregados, em vez de tratá-los como cachorros.

20:31 - 20 de Maio de 2010
Por Chris Chang
Fonte: GIZ MUNDO
Link: http://www.gizmodo.com.br/conteudo/relatos-de-um-infiltrado-no-inferno-fabrica-da-foxconn
Data: 26/05/2010

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