Desde 1993, quando a
Lei 8.213 que versa sobre a Previdência Social foi promulgada e trouxe em seu artigo 93, a obrigatoriedade às empresas de terem entre dois a cinco por cento de seus empregados composto por pessoas com deficiência em seu quadro de funcionários, que pouco à pouco a sociedade brasileira, e em especial, o meio empresarial, tem se apropriado da importância desta normativa e muitas vezes até se digladiando para derrubar uma serie de barreiras adicionais, que são colocadas diante deste público. Só no Brasil, estima-se que um contingente de 16% da sua população tenha algum tipo de deficiência ou mobilidade reduzida, segundo o último dado censitário do IBGE divulgado em 2000, considerando que o censo de 2010 ainda não divulgou esse dado.
Antes de qualquer julgamento antecipado que possa ser feito a esta normativa, é preciso lembrar que seu principal objetivo está em promover a inserção e inclusão de um público que já enfrenta barreiras adicionais em sua vida, fruto do preconceito e descuido da sociedade que insiste em colocar estas barreiras, sejam estas de ordem físicas ou subjetivas.
Por exemplo, nossas edificações públicas ou privadas, ainda são pouco acessíveis a diversas condições físicas e sensoriais que as pessoas possam apresentar, seja decorrente de uma deficiência permanente, seja por uma situação momentânea que enfrentamos como um membro engessado ou mesmo o fator idade, que vai tornando nosso corpo menos flexível, resistente e a ágil, onde dados movimentos realizados no passado já não são mais possíveis de serem praticados da mesma forma. Além das barreiras físicas, ainda colocamos sobre as pessoas com deficiência barreiras subjetivas quando julgamos prematuramente ou sem qualquer interação direta com as pessoas suas habilidades e capacidade, algo que está no jeito de pensar e muitas vezes de agir das pessoas, onde pequenos gestos ainda que desapercebidos, colocam diante deste público barreiras adicionais, como, por exemplo, julgar previamente sua capacidade para executar sua atividade laboral – Alguém já imaginou, por exemplo, um deficiente visual (total), exercendo a função de vendedor de tintas? Pois é, se não, deveria, porque existe e não há nada de excepcional nisso, além do que nós mesmos criamos. Hoje temos avanços tecnológicos onde muitas das coisas consideradas impossíveis, são hoje plenamente possíveis, além é claro da própria capacidade das pessoas de se recriarem diante da adversidade e se desenvolverem, a chamada resiliência.
Então, se as coisas são tão simples dessa forma, porque precisamos de uma lei que “interfira” no livre arbítrio das empresas, colocando obrigações adicionais no sobre que o capitalismos gosta de chamar a atenção que é a capacidade de tomar decisões e assumir seus riscos, como, por exemplo, definir quem deve ou não contratar. A resposta é simples e complexa ao mesmo tempo, basta se perguntar quantas pessoas com deficiência estariam formalmente contratadas sem a Lei
8.213/1993 no quadro das empresas. E isso porque de um lado, como foi dito, projetamos as cidades e os ambientes a partir de uma única perspectiva e por outro, nos limitamos a enxergar eficiência apenas sobre o que estamos acostumados a julgar como “normal”. Deixando do lado de fora uma parcela significativa da sociedade que vem ao longo da história buscando seu “lugar ao sol” de forma digna e autônoma.
O mais interessante desta leitura é que uma parcela das pessoas com deficiência vivem hoje da assistência social por inúmeros motivos, sendo um dos que considero de maior relevância as barreiras subjetivas que colocamos à elas e ai vem um dos grandes paradoxos da racionalidade e eficiência apregoado pelo capitalismo que aflora na gestão das empresas, pois estamos falando de mais de 24 milhões de pessoas, que se realmente incluídas deixariam de depender do caixa da assistência social, uma conta já paga tanto pelas empresas como por nós pessoas naturais (físicas) e com isso, as pessoas com deficiência teriam mais renda e consequentemente, mais demanda por produtos e serviços do meio empresarial e até onde sei, isso chama-se é geração de negócios e oportunidades , item importante para a principal meta do meio empresarial que é o lucro.
Todo esse intróito foi para trazer a tona a promulgação da
Lei 12.470/2011, publicada recentemente e que na minha singela leitura, derruba uma das barreiras mais importantes para fomentar a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. A referida Lei altera o conjunto de Leis que dão base a LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social), mas em especial a
Lei 8742/1993. Por meio desta alteração na normativa, agora, o benefício da prestação continuada (BCP) concedido pela Assistência Social às pessoas com deficiência - note que apresentam uma renda familiar menor que um salário mínimo - que entrarem formalmente no mercado de trabalho, será apenas suspenso e não mais retirado. Parece uma alteração simples, mas que para este público pode fazer toda a diferença, isso porque, até então muitas pessoas que se enquadram neste perfil resistiam a entrar no mercado de trabalho, com receio de não dar certo, muitas vezes influenciados por todas as barreiras já apontadas acima – o que não é sem razão - e depois, perderem a única fonte de renda que tinham para prover seu sustento.
Com essa alteração na legislação, a pessoa com deficiência elegível ao BCP que mantiver uma relação trabalhista formal (CLT) e mais adiante for dispensada do emprego ou deixá-lo, terá o direito de reaver seu benefício da prestação continuada, sem a necessidade de se submeter a nova perícia médica realizada pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), desde que esteja dentro do período de 2 anos, sendo este o tempo oficial que o órgão já exige para reavaliação periódica da manutenção do benefício, independente da pessoa com deficiência estar ou não no mercado formal de trabalho.
O aprimoramento da medida legal, também avançou ao chamar a atenção para a possibilidade das pessoas com deficiência serem contratadas como aprendizes, sendo que neste caso não há limitação de idade, algo já previsto no decreto
5.598/2005 e que visa sanar uma das principais justificativas do meio empresarial sobre dificuldade de contratação de pessoas com deficiência, que é a questão da qualificação profissional e educacional, considerando que essa medida especial, permite a capacitação “on the job” (aprendizado prático por meio do trabalho). Neste caso, se a pessoa com deficiência é contratada como aprendiz, poderá manter o benefício da prestação continuada, mesmo inserida no mercado de trabalho, enquanto vigorar o contrato de trabalho na condição de aprendiz, situação que pode perdurar no máximo por dois anos.
Outro avanço que julgo significativo trazido pela
Lei 12.470/2011, foi a explicitação conceitual e simplificada de quem está na condição de pessoa com deficiência, considerando ser a aquela pessoa com impedimentos de longo prazo, mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas na sociedade. Obviamente que essa condição precisa ser atestada por laudo médico apropriado e consequentemente enquadrada nos tipos de deficiências previstos no Decreto
5.296/2004.
Como dito de início, acredito que mais uma barreira física foi derrubada, fica a agora a esperança o e nosso empenho para que as barreiras subjetivas também cai por chão, porém, neste caso será necessário que uma medida normativa é preciso reconhecer nossos preconceitos e enfrentá-los, se queremos mesmo ser o país do futuro, precisamos ser mais gente, mais humano e mais inclusivos.
“Life is for those who thrive on challenges, not for those who let challenges stop them”
Bob Marley (1945 – 1981).