Fonte: Agência FAPESP
Link: http://agencia.fapesp.br/16146
Mulheres são mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas globais
06/09/2012
Por Elton Alisson
Agência FAPESP – As mulheres e meninas representam atualmente 72% do total de pessoas
que vivem em condições de extrema pobreza no mundo. Em função disso e da
combinação de uma série de outros fatores socioeconômicos e culturais, elas
representam hoje as maiores vítimas de desastres provocados por eventos
climáticos extremos, como inundações e furacões.
Os dados foram apresentados pela médica e
antropóloga mexicana Úrsula Oswald Spring durante o workshop “Gestão
dos riscos dos extremos climáticos e desastres na América do Sul – O que podemos aprender com o
Relatório Especial do IPCC sobre os extremos?”, realizado em agosto pela
FAPESP, em São Paulo.
Professora da Universidade Nacional Autônoma do
México, a pesquisadora mexicana, que é membro do IPCC, explica em entrevista
concedida à Agência FAPESP as razões e quais ações são
necessárias para diminuir a vulnerabilidade das mulheres e meninas aos impactos
das mudanças climáticas.
Agência FAPESP – Quais
são os grupos humanos mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas
globais?
Úrsula Oswald Spring – Primeiro, as mulheres e meninas. Em segundo lugar, os grupos indígenas refugiados em comunidades com línguas e culturas diferentes das suas. E em terceiro todas as pessoas que vivem em cidades em pobreza extrema, em zonas de alto risco e de violência, sem apoio governamental, ilegais, sem emprego e expostas às intempéries climáticas. Coincidentemente, esses três grupos humanos também são os mais discriminados. Há um problema de discriminação estrutural e uma combinação catastrófica de fatores socioeconômicos, ambientais e culturais que potencializam as vulnerabilidades desses três grupos humanos aos impactos das mudanças climáticas.
Úrsula Oswald Spring – Primeiro, as mulheres e meninas. Em segundo lugar, os grupos indígenas refugiados em comunidades com línguas e culturas diferentes das suas. E em terceiro todas as pessoas que vivem em cidades em pobreza extrema, em zonas de alto risco e de violência, sem apoio governamental, ilegais, sem emprego e expostas às intempéries climáticas. Coincidentemente, esses três grupos humanos também são os mais discriminados. Há um problema de discriminação estrutural e uma combinação catastrófica de fatores socioeconômicos, ambientais e culturais que potencializam as vulnerabilidades desses três grupos humanos aos impactos das mudanças climáticas.
Agência FAPESP – O
que torna as mulheres e meninas mais vulneráveis aos impactos das mudanças
climáticas?
Úrsula Oswald Spring – Mundialmente, elas representam 72% dos pobres extremos e, sem recursos financeiros, é muito difícil enfrentar os impactos dos eventos climáticos extremos. Além disso, as mulheres foram educadas a cuidar dos outros e, por isso, assumimos o papel de “mãe de todos”. Esse processo, que chamo de teoria das representações sociais, também nos torna mais vulneráveis, porque temos o papel de proteger primeiramente os outros, para depois nos preocuparmos conosco. Por trás de tudo isso também persiste há milhares de anos um sistema político excludente, reforçado por todas as crenças religiosas, denominado sistema patriarcal, que preceitua a autoridade de um ser – o homem –, resultando em muita violência, exclusão e discriminação contra as mulheres. O capitalismo, por sua vez, se aproveitou do sistema patriarcal e construiu um sistema vertical, excludente, autoritário e violento, que permitiu que hoje 1,2 mil homens comandem a metade de todo o planeta e que as mulheres tivessem pouco poder de decisão e de veto em questões que lhes afetam diretamente.
Úrsula Oswald Spring – Mundialmente, elas representam 72% dos pobres extremos e, sem recursos financeiros, é muito difícil enfrentar os impactos dos eventos climáticos extremos. Além disso, as mulheres foram educadas a cuidar dos outros e, por isso, assumimos o papel de “mãe de todos”. Esse processo, que chamo de teoria das representações sociais, também nos torna mais vulneráveis, porque temos o papel de proteger primeiramente os outros, para depois nos preocuparmos conosco. Por trás de tudo isso também persiste há milhares de anos um sistema político excludente, reforçado por todas as crenças religiosas, denominado sistema patriarcal, que preceitua a autoridade de um ser – o homem –, resultando em muita violência, exclusão e discriminação contra as mulheres. O capitalismo, por sua vez, se aproveitou do sistema patriarcal e construiu um sistema vertical, excludente, autoritário e violento, que permitiu que hoje 1,2 mil homens comandem a metade de todo o planeta e que as mulheres tivessem pouco poder de decisão e de veto em questões que lhes afetam diretamente.
Agência FAPESP – Diante
desta realidade, o que é preciso fazer para diminuir a vulnerabilidade das
mulheres e meninas aos impactos dos eventos climáticos extremos?
Úrsula Oswald Spring – Não vale a pena destruir, por exemplo, essa capacidade das mulheres em querer ser a mãe de todos. Mas é necessário treiná-las para que esse processo de cuidar dos outros seja mais eficiente e que não seja realizado ao custo de sua própria vida, mas que possa beneficiar todo um conjunto de pessoas, incluindo ela e suas filhas. E isto implica em mais condições para que possam ter maior poder de decisão.
Úrsula Oswald Spring – Não vale a pena destruir, por exemplo, essa capacidade das mulheres em querer ser a mãe de todos. Mas é necessário treiná-las para que esse processo de cuidar dos outros seja mais eficiente e que não seja realizado ao custo de sua própria vida, mas que possa beneficiar todo um conjunto de pessoas, incluindo ela e suas filhas. E isto implica em mais condições para que possam ter maior poder de decisão.
Agência FAPESP – Como
seria possível realizar esse processo?
Úrsula Oswald Spring – Sobretudo, possibilitando o maior acesso das mulheres à educação. De acordo com o Banco Mundial, todo país islâmico que investe na educação de suas mulheres aumenta imediatamente 1% de seu PIB. Outra ação é dar mais visibilidade ao trabalho das mulheres, que muitas vezes não é valorizado. Nos Estados Unidos o trabalho feminino representa 38% do PIB. É preciso dar visibilidade a essa participação econômica das mulheres. Alem disso, são necessárias leis que garantam maior equidade e participação das mulheres em todos os processos decisórios. Teríamos que usar sistemas de cotas para mulheres para reverter a discriminação, que seria um passo para garantir maior equidade. Desgraçadamente, as catástrofes e os desastres provocados pelos eventos climáticos extremos irão ajudar no processo de dar maior poder às mulheres.
Úrsula Oswald Spring – Sobretudo, possibilitando o maior acesso das mulheres à educação. De acordo com o Banco Mundial, todo país islâmico que investe na educação de suas mulheres aumenta imediatamente 1% de seu PIB. Outra ação é dar mais visibilidade ao trabalho das mulheres, que muitas vezes não é valorizado. Nos Estados Unidos o trabalho feminino representa 38% do PIB. É preciso dar visibilidade a essa participação econômica das mulheres. Alem disso, são necessárias leis que garantam maior equidade e participação das mulheres em todos os processos decisórios. Teríamos que usar sistemas de cotas para mulheres para reverter a discriminação, que seria um passo para garantir maior equidade. Desgraçadamente, as catástrofes e os desastres provocados pelos eventos climáticos extremos irão ajudar no processo de dar maior poder às mulheres.
Agência FAPESP – De
que maneira?
Úrsula Oswald Spring – No México, por exemplo, a produção campesina está nas mãos dos homens. Mas está passando para as mãos das mulheres, porque os homens migraram para os Estados Unidos em busca de emprego. Na nova condição de chefes de família, elas estão tendo que tomar decisões sobre as mais variadas questões. Nós precisamos ajudá-las nesse processo de “empoderamento”, possibilitando que elas tenham acesso a tecnologias sustentáveis, que lhes permitam, por exemplo, se proteger dos riscos de desastres causados pelos eventos climáticos extremos.
Úrsula Oswald Spring – No México, por exemplo, a produção campesina está nas mãos dos homens. Mas está passando para as mãos das mulheres, porque os homens migraram para os Estados Unidos em busca de emprego. Na nova condição de chefes de família, elas estão tendo que tomar decisões sobre as mais variadas questões. Nós precisamos ajudá-las nesse processo de “empoderamento”, possibilitando que elas tenham acesso a tecnologias sustentáveis, que lhes permitam, por exemplo, se proteger dos riscos de desastres causados pelos eventos climáticos extremos.
Agência FAPESP – Além
da questão do “empoderamento”, que é um processo que demanda longo prazo, que
ações mais urgentes devem ser tomadas para preparar as mulheres para enfrentar
os eventos climáticos extremos?
Úrsula Oswald Spring – É preciso possibilitar e treinar as mulheres para que em um momento de perigo iminente, por exemplo, elas tenham o direito de sair de casa. Muitas comunidades proíbem que uma mulher saia de casa se não está acompanhada por um homem. Isso é uma discriminação e uma forma de controle que é preciso superar com leis de equidade de gênero. Além disso, é preciso treinar mulheres para aprender a nadar, a correr, a trepar em uma árvore, e permitir que possam usar uma roupa mais adequada para realizar essas atividades. Eu assisti os Jogos Olímpicos de Londres e me chamou a atenção a vestimenta das atletas da natação e de corrida da Arábia Saudita. Apesar de estarem vestidas de forma diferente das atletas de outros países, ao menos elas vestiam uma calça que lhes permitia correr, sem infringir os códigos religiosos. Esse é um tipo de ação que poderíamos socializar. Poderíamos aproveitar os Jogos Olímpicos para promover em todos os países islâmicos esse tipo de ação, e dar cursos de natação e de corrida para as mulheres.
Úrsula Oswald Spring – É preciso possibilitar e treinar as mulheres para que em um momento de perigo iminente, por exemplo, elas tenham o direito de sair de casa. Muitas comunidades proíbem que uma mulher saia de casa se não está acompanhada por um homem. Isso é uma discriminação e uma forma de controle que é preciso superar com leis de equidade de gênero. Além disso, é preciso treinar mulheres para aprender a nadar, a correr, a trepar em uma árvore, e permitir que possam usar uma roupa mais adequada para realizar essas atividades. Eu assisti os Jogos Olímpicos de Londres e me chamou a atenção a vestimenta das atletas da natação e de corrida da Arábia Saudita. Apesar de estarem vestidas de forma diferente das atletas de outros países, ao menos elas vestiam uma calça que lhes permitia correr, sem infringir os códigos religiosos. Esse é um tipo de ação que poderíamos socializar. Poderíamos aproveitar os Jogos Olímpicos para promover em todos os países islâmicos esse tipo de ação, e dar cursos de natação e de corrida para as mulheres.
Agência FAPESP – Dentre
os três grupos humanos que a senhora aponta como os mais vulneráveis aos
impactos das mudanças climáticas, qual apresenta maior resiliência?
Úrsula Oswald Spring – Só os indígenas têm a capacidade adquirida ao longo de milhares de anos de administrar situações muito difíceis sem contar com ajuda internacional, nacional ou estatal, mas sim sozinhos. Eles se adaptaram às mudanças climáticas e cultivaram durante milhares de anos e da mesma maneira vegetais, como batatas, resistentes à seca, ao frio e ao calor, e desenvolveram sistemas muito eficientes e baratos de irrigação e fertilização da terra. É preciso aproveitar esses conhecimentos tradicionais e vinculá-los às tecnologias modernas para nos adaptarmos às mudanças climáticas. Mas estamos perdendo esses conhecimentos tradicionais porque a última geração de indígenas que ainda detêm esses conhecimentos, que são jovens, já passou pela escola, fala outras línguas que não a materna e está perdendo sua cultura indígena. Se não fizermos nada, vamos perder mundialmente esses conhecimentos tradicionais que permitiriam desenvolver soluções locais para enfrentar as mudanças climáticas.
Úrsula Oswald Spring – Só os indígenas têm a capacidade adquirida ao longo de milhares de anos de administrar situações muito difíceis sem contar com ajuda internacional, nacional ou estatal, mas sim sozinhos. Eles se adaptaram às mudanças climáticas e cultivaram durante milhares de anos e da mesma maneira vegetais, como batatas, resistentes à seca, ao frio e ao calor, e desenvolveram sistemas muito eficientes e baratos de irrigação e fertilização da terra. É preciso aproveitar esses conhecimentos tradicionais e vinculá-los às tecnologias modernas para nos adaptarmos às mudanças climáticas. Mas estamos perdendo esses conhecimentos tradicionais porque a última geração de indígenas que ainda detêm esses conhecimentos, que são jovens, já passou pela escola, fala outras línguas que não a materna e está perdendo sua cultura indígena. Se não fizermos nada, vamos perder mundialmente esses conhecimentos tradicionais que permitiriam desenvolver soluções locais para enfrentar as mudanças climáticas.
Agência FAPESP – Que
iniciativas existem hoje para promover essa aproximação de conhecimentos
tradicionais com os científicos?
Úrsula Oswald Spring – No México, por exemplo, foi criada a Universidade Campesina do Sul. Lá são integrados grupos locais, que são constituídos hoje basicamente por mulheres – há 20 anos eram formados, em sua maioria, por homens –, e com base nas necessidades desses grupos nós disseminamos um processo de educação baseado no método de Paulo Freire, em que eles aprendem a partir de sua própria realidade.
Úrsula Oswald Spring – No México, por exemplo, foi criada a Universidade Campesina do Sul. Lá são integrados grupos locais, que são constituídos hoje basicamente por mulheres – há 20 anos eram formados, em sua maioria, por homens –, e com base nas necessidades desses grupos nós disseminamos um processo de educação baseado no método de Paulo Freire, em que eles aprendem a partir de sua própria realidade.
Agência FAPESP – O que é ensinado na Universidade Campesina do Sul?
Úrsula Oswald Spring – Um dos temas com os quais trabalhamos é agricultura orgânica, ensinando as mulheres a trabalhar com hortas familiares, para garantir seus próprios alimentos e de sua família. Outro tema é o manejo de água. Há muita água não potável, como a utilizada para lavar as mãos, por exemplo, que é muito fácil de tratar e que pode ser utilizada junto com dejetos orgânicos de sanitários secos como melhoradores de solo para ajudar a recuperar a fertilidade natural do solo. Outro tema ao qual temos nos dedicado é o da medicina alternativa. A medicina moderna é muito cara e a maior parte das pessoas não tem recursos para utilizar o sistema de saúde. Em função disso, estamos criando modos de integrar a medicina tradicional mexicana, que utiliza ervas e métodos tradicionais de cura, como vapores, com a medicina moderna. É um conjunto de ações voltadas para potencializar o uso dos conhecimentos científico e tradicional e tentar buscar soluções para enfrentar coletivamente problemas das mais variadas ordens, como o das mudanças climáticas. Porque não são grandes obras que protegem as pessoas de uma catástrofe provocada por um evento climático extremo, como uma inundação, mas sim pequenas obras, contanto que sejam muito eficientes.
Agência FAPESP – Na
opinião da senhora, como será possível enfrentar os riscos das mudanças
climáticas em escala mundial, em um momento em que diversos países passam por
graves crises econômicas e têm problemas mais urgentes para resolver? Úrsula Oswald Spring – Um dos temas com os quais trabalhamos é agricultura orgânica, ensinando as mulheres a trabalhar com hortas familiares, para garantir seus próprios alimentos e de sua família. Outro tema é o manejo de água. Há muita água não potável, como a utilizada para lavar as mãos, por exemplo, que é muito fácil de tratar e que pode ser utilizada junto com dejetos orgânicos de sanitários secos como melhoradores de solo para ajudar a recuperar a fertilidade natural do solo. Outro tema ao qual temos nos dedicado é o da medicina alternativa. A medicina moderna é muito cara e a maior parte das pessoas não tem recursos para utilizar o sistema de saúde. Em função disso, estamos criando modos de integrar a medicina tradicional mexicana, que utiliza ervas e métodos tradicionais de cura, como vapores, com a medicina moderna. É um conjunto de ações voltadas para potencializar o uso dos conhecimentos científico e tradicional e tentar buscar soluções para enfrentar coletivamente problemas das mais variadas ordens, como o das mudanças climáticas. Porque não são grandes obras que protegem as pessoas de uma catástrofe provocada por um evento climático extremo, como uma inundação, mas sim pequenas obras, contanto que sejam muito eficientes.
Úrsula Oswald Spring – Há condições de grande incerteza em relação às mudanças climáticas porque, além das crises econômicas, grande parte das pessoas no mundo nunca presenciou uma situação de desastre causado por um evento climático extremo. Mas se algumas pessoas ainda não passaram por uma situação dessas, é preciso justamente pensar em maneiras de se preparar para enfrentar os eventos climáticos extremos, que ocorrerão com maior frequência nos próximos anos. E uma das formas de se fazer isso é descentralizando a gestão dos riscos das mudanças climáticas, levando em contas as condições próprias de cada região. O problema climático na Amazônia, por exemplo, não é o mesmo que ocorre na parte alta dos Andes. Os tipos de manejos nessas regiões são muito diferentes. Por isso, os países precisam descentralizar as ações. A gestão dos riscos de mudanças climáticas pelos países irá depender de uma boa gestão local. Os primeiros 10 minutos de uma situação de risco, como uma inundação ou deslizamento, são cruciais e não há ajuda internacional que possa socorrer. Por isso, é preciso investir fortemente em prevenção e treinamento em nível local para enfrentar os riscos de um evento climático extremo.