O que justifica uma empresa investir em produtos e serviços questionáveis por parte sociedade? Conforme provoca a
matéria da Revista Isto é Dinheiro de 14/05/2010.
Antes de qualquer coisa, a demanda é e será sempre a principal justificativa. Portanto, é necessário que se façam mais algumas perguntas para responder a principal. Por exemplo: Quem questiona? Por que questionam? A favor do que ou de quem questionam?
A definição de um modelo de negócio sempre passará pela avaliação da viabilidade financeira da atividade. É claro! Mas não apenas. Essa definição também envolve antes de tudo escolhas e decisões, que serão tomadas com base em valores, cultura e política da organização e pessoas inserirdas no processo. Neste ponto, faço eu mesmo uma ressalva, adiantando que muitos dirão que o modelo também se define pela oportunidade.
Na minha leitura a oportunidade é um dos elementos que provoca a discussão por um ou outro modelo de negócio, mas não seu elemento definitivo. Para justificar meu ponto de vista, vou me valer de uma reflexão extrema. Muitos têm a oportunidade de ser traficante de drogas, um negócio extramamente lucrativo. Correto? Então por que essa é uma ativdiade econômica exercida por poucos? Álém das questões legais, existem valores que por si só já impede o que muitos explorem esse mercado.
No âmbito do meio empresarial e do mercado a cultura organizacional é definida de acordo com as convicções da organização e das pessoas a sua frente, ou seja, tem haver com as convicções de seus dirigentes e muitas vezes da origem social e geográfica onde a empresa foi constituída. Já a política pode estar mais sujeita ao contexto regional ou global e isso muitas vezes, abre precedentes para que as convicções sejam flexibilizadas pelas conveniências.
É fácil perceber isso, quando se observa mais de perto as organizações multinacionais e globais, que em seus países de origem seguem determinadas regras econômicas, sociais e ambientais mais rigorosas, mas em outros, essas regras são negligenciadas e/ou flexibilizadas. Basta olhar para o oriente e vamos encontrar na China um poço de exemplos nessa direção.
Na realidade muitas organizações resolvem estrategicamente produzir em países com legislações e pressões sociais mais frágeis, justamente para “ganhar competitividade” diante desse contexto. Assim, produzem fora mas trazem de volta o resultado da produção a preços mais competitivos, deixando um rastro de externalidades incomensurável. Estes modelos de negócios muitas vezes calcam seus ganhos nessa perspectiva distorcida e acabam dependendo da externalização de custos sociais e ambientais para assegurar suas margens de lucro. Além disso, trazem consigo uma leitura “umbiguista” e sem dúvidas desconectadas do mundo e até mesmo, contraproducente a médio e longo prazo, porque não considera a interdependência dos sistemas, gerando assim um caos de ineficiências sistêmicas que cedo ou tarde voltará contra si mesmo.
Estamos sempre diante de escolhas, prova disso é que hoje observamos inúmeras organizações empresariais investindo em novas tecnologias e em novos mercados que privilegiam atributos de sustentabilidade e responsabilidade social em seus modelos de negócio, crescendo, lucrando e se desenvolvendo, e, outras como bem mostram a matéria da
Revista Isto É Dinhero “Sujo mais Lucrativo” na direção contrária, insistindo em investir em modelos de negócios mais questionáveis, por também gerar receita, lucro e crescimento no curto e médio prazo. Questões que se colocam diante desse paradoxo são: “Até quando?” Com quem? Para quem? Contra quem?
Na essência dessa discussão estamos falando de valores, aqui entendidos como um filtro do que pesa na tomada de decisão. Assim, se uma empresa tem valores mais individualizados, autocentrados e numa lógica de independência, tenderá a colocar a busca pelo lucro como sua missão, ou seja, sua finalidade última e consequentemente a probabilidade desta organização ser menos criteriosa com efeitos adversos a sociedade, resultantes de seu modelo de negócios, será maior.
Contudo, se uma empresa entende que sua missão é a sua razão de ser e que lucro é meio necessário para isso, com certeza ela passará a se questionar mais qual o sentido e contribuição daquilo que ela se propôs fazer. Essa lógica inverte a forma como a empresa se vê diante da sociedade em que está inserida e consequentemente a forma como ela definirá quais bens, produtos e serviços serão produzidos e colocados a disposição do mercado. Portanto, ela não estará refém da demanda, mas será protagonista, buscará gerar demanda dentro das suas convicções e com isso, buscando novos mercados e inovando constantemente.
Entender a dimensão do processo decisório tira o foco da discussão sobre o que é ser necessariamente uma empresa boa ou má, um negócio sujo ou limpo e coloca foco na identificação de que organizações e modelos de negócios estão mais aderentes as demandas atuais da sociedade. Portanto, quais estão mais envergadas a construção de uma sociedade mais justa, responsável e sustentável.
Tenho comigo que essa mudança de paradigma, nos ajuda a evitar julgamentos excludentes e permite que muitas organizações revejam sua participação na sociedade e tenham também a oportunidade de trazer sua contribuição.